Norteados pela temática ancestral da cultura do partejar e das ervas sagradas e medicinais, imersos no Encontro de Vivências Agroecológicas no Assentamento Terra Vista, o I Trecho do Projeto Três Pedrinhas (de 01 à 03 de agosto) proporciona dias de aprendizados e ações que unem os povos numa perspectiva de luta e espiritualidade, tradição e tecnologia. O ritual religioso do Toré indígena, a roda, o canto, os maracás e os tambores abrem o nosso encontro com o fortalecimento espiritual, conectando os povos através dos orixás, caboclos, boiadeiros e encantados.

Vivenciar
na roda de conversas com as mestras é ter contato com as guardiãs
dos saberes tradicionais, tão essenciais para a vida, o nascimento,
a cura dos males do corpo e do espírito. Ao mesmo tempo, nos
esbarramos nos dados que apontam o número de 60.000 parteiras
tradicionais que não tem o devido reconhecimento, e são rechaçadas
por possuir um saber que não é o da caneta.
Dona
Josefa, a querida Zefa da Guia (Sergipe) traz de sua comunidade
quilombola a experiência em ‘‘pegar menino’’, saber herdado
de suas ancestrais que desde os treze anos passou a exercer, sempre
aliada à espiritualidade, as rezas, as curas:
‘‘Meu
trabalho de parteira é ensinar transportar a vida, um é Deus, o
médico dos médicos. Deus deu um saber pra gente, e o trabalho de
parteira tem muita responsabilidade e autorização [...] eu trabalho
rezando!’’. Não há mal,
nem do corpo e nem do espírito que se mantenha diante dos
tratamentos, remédios e simpatias que a Dona Zefa nos ensina, de
mau-olhado à miomas, ela sempre terá um elixir que cure a sua
mazela.
Yalorixá
Maria Lameu do
Ylê
Axé Dakossidê, traz do seu
quintal no Recôncavo da Bahia uma grande diversidade de ervas
medicinais e de uso tradicional na religião afro-brasileira do
candomblé, inclusive apresenta o Obí, fruto importante no culto ao
orixá. Com toda sua espontaneidade e simpatia, Mãe
Lameu nos conta os seus curiosos 14 partos, que fez sozinha e em
casa:
“
...Fui buscar uma lata de água na
beira do rio, porque naquela época eu morava perto do Rio
Paraguassu, ai quando eu cheguei na beira do rio, que metir a perna
pra pegar a água na lata, se eu não sou ligeira, a neguinha morria
afogada, (risos)...”
Na
religião do candomblé, Ossain é o orixá que cuida das ervas, e
sem as folhas sagradas não existe nenhum fundamento religioso.
Suely
Carvalho, coordenadora da Rede Nacional de Parteiras Tradicionais do
Brasil, que se alia com a Rede Latino-americana de Parteiras,
herdeira de gerações de parteiras, traz na sua experiência de mais
de 5 mil partos, além da luta em defesa da mulher, e do respeito ao
sagrado feminino.
O contato com a espiritualidade compreende o corpo
da mulher gestante em um estágio de iluminação, e a placenta que
abriga o bebê é uma entidade, a segunda mãe da vida que está
sendo gerada, além de ser um poderoso remédio que previne até
mesmo hemorragias na parturiente. O sangue do cordão umbilical, nada
mais é que célula-tronco, logo seu poder curativo é enorme.
‘‘
...a
mulher tem o controle da situação, nós parteiras estamos ali só
pra ajudar, jamais podemos nos desconectar de um rito de passagem,
tratar de uma maneira mecânica automática como se fosse uma momento
qualquer!’’
O
aprendizado da conversa se concretiza a cada vivência, seja na
cozinha através das receitas dos remédios ensinadas pelas mestras,
seja na prática do plantio das ervas na horta coletiva, no viveiro,
na identificação desses remédios na mata e nos quintais da
comunidade. Tudo é socializado em apresentação para @s demais
companheir@s.

Unindo
o saber ancestral à apropriação tecnológica, a Rádio Livre
‘‘Aliança Educadora’’ vai ao ar, sendo uma importante
ferramenta de empoderamento da comunicação na comunidade, e por ser
o aparato de criação de programas radiofônicos que servirão como
conteúdo pedagógico para a formação política no cotidiano dessa
comunidade e em suas escolas. Além do rádio, o Projeto Três
Pedrinhas conta com outros gêneros da comunicação para produção
de conteúdos educativos, como o audiovisual, através da produção
do vídeo documentário, da fotografia e do jornal impresso, através
do Jornal Orí.
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Participaram desse encontro cerca de 200 pessoas de coletivos, comunidades tradicionais e instituições, como: Casa do Boneco de Itacaré, Assentamento Terra Vista, Posto Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu, GAIA, Instituto Cabruca, NEPA, UESB, UESC, EVA, CETEP-Maraú, AATR, Quilombo Rio dos Macacos, Assentamento Rio Aliança, CPPP Quilombo da Liberdade. Contamos com a presença de lideranças como: Cacique Nailton, Cacica Maria Muniz, professora Jomária, Dona Zefa da Guia, Mãe Maria Lameu, Suely Carvalho, Dona Socorro, Jorge Rasta, Sr. Zezinho, Joelson, Solange, Deysi, Lorena Aguiar.

O Projeto Três Pedrinhas conta com uma equipe técnica formada por:
Jorge Rasta (coodenação executiva)
Nátali Mendes e Nana Queiroz (Assessoria de Comunicação)
Glauber Elias, Say Adinkra e Vitor Coimbra (assessoria em educomunicação)
Carla Antelante (assessoria pedagógica)
Sérgio Mello (técnico em instalação e produção de programas de rádio)
Fafá M. Araújo, Ismael Silva e Fernanda Pennachia (fotografia)
Casa da Alegria (cobertura audiovisual)
Don Perna (design gráfico)
MONITORES LOCAIS: Dania Jejê, Hugo Xoroquê, Beatriz Odara, Tovi Nascimento, Wilk Muniz e Moisés Muniz Pataxó.
PRODUÇÃO LOCAL: Breno Santiago.
EQUIPE DE APOIO:
Preta Bia
Gominho Neves
Preta Ashanti