II TRECHO DO PROJETO TRÊS PEDRINHAS
Por tudo que nasce, saudamos nossos erês!

Sentimento de renovação das forças, reoxigenação e
fortalecimento, a cada caruru que é servido, uma página a mais é escrita e
acrescentada na história de um povo, e de uma instituição. A história do Caruru
de Ibeji e da Casa do Boneco se confundem e se pertencem por serem parte de uma
trajetória de muitas lutas, adversidades, surpresas e vitórias. Precisamos
agradecer, e fazemos isso como a ancestralidade africana nos educou: com
tambor, com dança, com brincadeira, com fartura e com muito trabalho.
A transmissão de saberes ancestrais milenares, resguardados na vivência das nossas mestras e mestres não cabem nas estruturas eurocêntricas
que regem o sistema educacional convencional. Para romper com uma educação que
não conta a verdadeira história do povo preto, com uma mídia coronelista que
descaracteriza a nossa identidade, com o racismo impregnado que mata os nossos
jovens diariamente, as pedagogingas se fazem instrumento de educação e formação
política dos futuros (e atuais) Zumbis e Dandaras.



A abertura oficial do evento foi no dia 24 de setembro de
2014, mas esse processo real de resistência já começou à séculos, quando o
nosso primeiro irmão foi capturado em África por uma colonização autorizada
pela Igreja Católica e por uma ‘‘supremacia’’ racista branca. Para fazer a
abertura do nosso evento não vestimos a roupa da moda, não cantamos a música
das paradas de sucesso das rádios comerciais, não falamos de conformismo e nem
de pacifismo. Nos enfeitamos com tecidos africanos, batas e turbantes para
tocar e cantar o Xirê, saudando as forças da natureza, os Orixás, pedindo licença
e permissão aos que nos guiam. Apresentamos @s noss@s oficineir@s, mestres,
grupos e coletivos que vieram compartilhar dos seus saberes.
Para aprender e ter contato com a musicalidade de
evocação e saudação dos orixás, o Alabê Dito, guardião do saber ancestral da
religião do candomblé, enriquece a nossa programação com a oficina de Toques e
Cantos de Xirê. Construir o próprio instrumento musical de forma agroecológica
e afrocentrada também foi ensinado-aprendido-ensinado na oficina de Confecção
de Tambores Afrobrasileiros, facilitada pela representação de Tambores Oraniã
(Casa do Boneco), Alma Percussão, Coletivo Casa Preta (Pará) e Casa de Cultura
Tainã (São Paulo).
Os tradicionais bonecos não poderiam ficar de fora do
nosso encontro, não só por ser uma poderosa ferramenta pedagógica, mas também
por ser símbolo significativo e fundador da Casa do Boneco. Tivemos oficina de
Confecção de Bonecos com Cabaça, com o nosso grande Mestre Elias e Adriana
Reis, onde foi ensinado a produção e manipulação de bonecos, com improvisação
de teatro. Também contamos com a oficina de Confecção de Bonecos Gigantes
oferecida pela Cia de Teatro de Bonecos Mãos na representação de Cláudio Cruz e
Fátima Araújo, e o grupo de jovens que compõem a cia. Foram construídos dois
lindos bonecos gigantes que abrilhantaram o cortejo afro e hoje compõem o
elenco de bonecos do Ylê D’erê.
Nossos pequenos reis e rainhas se divertiram muito
aprendendo sobre suas histórias e entendendo o que é essa tal de identidade em
atividades como a Oficina Criativa Ka Naombo, confeccionando os próprios
marca-textos iguaizinhos a cada um depois da dinâmica do espelho, facilitada
por Adriana Ka Naombo. Também tivemos muitas histórias com a Oficina de
Literatura Infantil facilitada por Larissa Pereira; Oficina Cantiga de Erê com
Mariana Bittencourt; e a oficina Menina Bonita do Laço, do Torço e do Turbante
(Leiturança), facilitada por Carol Cruz e Carla Antelante, nos coroando com
lindos turbantes.
Contamos com a belíssima participação do Grupo ELO que ofereceu a Oficina de Hip Hop mediada por Tayrini e Nessita Lopes, mostrando a representação feminina no movimento hip hop de Vitória da Conquista. A Arte do Graffiti também foi muito bem representada pela oficina ministrada por Baga e Bigode (Salvador). Fabrício Silva, graduando em odontologia, nos ofertou uma palestra sobre Espiritualidade e Bioética na Saúde e também uma Oficina de Beat Box. Música e iniciação de técnicas vocais foram aprendidas com a oficina Conta Para Todo Canto, ministrada por Mariana Bittencourt.

As tecnologias, suas ferramentas e linguagens também marcaram presença, tendo representação da Oficina de Edição de Áudio, com Sérgio Melo dando continuidade à formação dos monitores das rádios implantadas pelo Projeto Três Pedrinhas; Oficina Cinema In MOV ministrada por Camila Mota, além de intervenção audiovisual do CineCACoS e transmissão ao vivo da Rádio Indaca Obá FM, que completa um ano!


O nosso encontro agregou mais de 200
participantes, com grupos e representações de instituições e comunidades como:
Assentamento Terra Vista, Posto Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu, Quilombo
Rio dos Macacos, Rede Mocambos, Teia de Agroecologia dos Povos da Cabruca e da
Mata Atlântica, IF Uruçuca, Quilombo Lagoa Santa, e outros coletivos.

Para a culminância desses cinco dias repleto de atividades, aprendizados e troca de saberes, a celebração do Caruru de Ibeji aconteceu no domingo, dia 28 de setembro. Saindo da Praça São Miguel e rumando para a Casa do Boneco, desfilamos com um lindo Cortejo Afro. Ala de baianas, crianças, comunidades indígenas, militantes, educadores, também bonecos gigantes e pernas de pau, frutos da oficina de confecção de bonecos, tudo no lindo cortejo ritmado pelo toque dos tambores, pelas flores, perfume e banho pipoca. Na Casa, celebramos os Ibejis e foi servido o Caruru, primeiro para os erês e depois para a imensa fila que se forma tradicionalmente para alimentar o corpo com esse delicioso prato da culinária afro-brasileira, e o espírito de muito axé e gratidão.


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