05/11/2013

Manifesto Quilombo Lagoa Santa



Entre os dias 29 de outubro e 03 de novembro de 2013, reunimos no Quilombo Lagoa Santa, município de Ituberá, durante A Mostra Quilombo Incena e Fórum Baiano de Cinema Comunitário, o movimento cineclubista baiano, 3 núcleos do norte nordeste da Rede Mocambos (Estados Bahia, Pernambuco e Pará), Coletivo Nordeste Livre, Alumiar, Brigada de Áudio Visual dos Povos, Teia de Agroecologia e comunidades quilombolas baianas. Neste quilombo, ao vivenciar a cultura e a espiritualidade negra junto à linguagem estética do cinema numa perspectiva comunitária, queremos manifestar nosso protesto ao latifúndio do ar configurado pelo exercício da perversidade, pelo monopólio da verdade e dos recursos, geradores de invisibilidade e esquecimento.

Não queremos o crescimento pelo desenvolvimento e sim o crescimento pelo envolvimento, já que o primeiro gera um desenvolvimento cultural de baixo conteúdo, sem potencia criativa e condições de sustentabilidade, e o segundo promove o envolvimento profundo com a bioenergia, a ancestralidade e o poder de nossa cultura promovedora de educação, humanização e dignidade.

Nosso modo de vida negro, não separa militância de festa, por que na cosmovisão africana esses e outros elementos são uma coisa só, mas o nosso sistema de comunicação não toca nossa música, não exibe nossa história nos filmes, não gera referencia positiva para nossas crianças e jovens, pelo contrário, através do audiovisual e do rádio dominantes, reproduz o latifúndio e valores racistas, não reconhecendo a cultura como riqueza , inferiorizando-a como um não saber para eliminá-la. Os meios de comunicação convencionais promovem um desserviço às nossas festas, nossos brinquedos, aos mestres e mestras populares, nossa matriz africana.

As tecnologias da comunicação e a linguagem do audiovisual devem ser popularizadas nas nossas comunidades para estar a serviço da atualização dos brinquedos culturais e seus saberes ancestrais colaborando com o avanço das pedagogias que influenciam na mudança da educação formal e informal.

Só o povo pode resolver o problema do povo. As experiencias de comunicação comunitária de audiovisual e rádio são os nossos melhores caminhos para combater a dominação perversa de nossos meios de comunicação e iremos nos fortalecer por esse meio, seja tomando de assalto os nossos direitos e as rédeas de nossa comunicação, seja enfrentando a polícia que criminaliza nossa vida, nosso tambor, nossa comunicação.

Atacamos assim, esse latifúndio em defesa da reforma do ar, para defender a popularização do acesso bens e serviços culturais,  recursos financeiros, assistência técnica, condições de itinerância para que nossas experiencias de comunicação comunitária sejam fortalecidas e replicadas prioritariamente em periferias, quilombos, terreiros, aldeias  e outras comunidades tradicionais diversas

Nossos filmes brasileiros precisam superar os “abortos de comunicação” frequentes em nossa cultura quando um filme é financiado com recurso público e não chega a ser visto pelo povo, numa lógica que não pode mais ser limitada ao mercado, mas ao potencial educativo, criativo e artístico que pode promover mudanças dos valores sociais. Não acreditamos no cinema comercial  que está posto para distribuir o cinema brasileiro, os filmes brasileiros precisam ter outra lógica e dialogar com o seu povo.

Mais do que isso queremos fazer nossos filmes numa perspectiva comunitária, formando editores nas comunidades, preservando nossa memória negra, um cinema do povo para o povo.
Defendemos que a Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura, bem como seu Conselho Consultivo, As Secretarias estaduais de Cultura e Comunicação, Institutos de Rádio Difusão,  Colegiados e Setoriais de Audiovisual, superem o papel tão ínfimo no atendimento da comunicação comunitária, cumprindo seu dever diante das demandas das comunidades.

Nós comunidades negras, quilombolas, indígenas, assentados, cineclubistas, povos de terreiros, ativistas culturais e sociais aqui reunidas, romperemos com a perspectiva de público passivo, para nos tornamos sujeitos de direitos ativos na descolonização do olhar para a leitura das imagens de mundo.

Quilombo Lagoa Santa, 03 de novembro de 2013


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