São Paulo, 13 de agosto de 2018
Aos membros da Casa do Boneco de Itacaré
Entre os dias 25 e 30 de abril, em um grupo de 75 pessoas, saímos do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo rumo ao sul da Bahia, para realização do trabalho de campo da disciplina de Regional África. Em nosso curso, há cerca de 10 anos essa disciplina não era ofertada. Assim, tivemos gerações de geógrafos e geógrafas que saíram da universidade sem terem estudado um continente extremamente complexo, rico em experiências, histórias e geografias que mal conhecemos: a África.
Foto: Nátali Yamas |
Foto: Hugo Alexandre |
A presença de um ponto de cultura como a casa do Boneco, foi para nós uma experiência extremamente enriquecedora, pois este se constitui, em nossa visão, como verdadeiro território de resistência. Isso se deve principalmente pelo local onde está situado, área de intenso crescimento turístico de luxo, onde de certa maneira, a casa se apresenta como alternativa à história convencional aristocrática e branca, tentando incluir a narrativa pretérita (e presente) da comunidade negra no território do sul Bahia. Esse orgulho de suas próprias raízes, a vontade de contar sua própria história e o resgate da cultura africana, são instantes que permanecerão marcados em nossa memória.
Foto: Hugo Alexandre |
Foi enriquecedora a fala do Mestre Jorge Rasta. A valorização dos conhecimentos ancestrais, além de sua análise perspicaz sobre os conflitos sociais da região, foi um dos momentos mais significativos e impactantes. Grandes emissoras (como a rede Globo), políticos, população preta, índios, ribeirinhos, corporações imobiliárias nacionais e internacionais… a rede complexa de conflitos sociais no território regional do sul Bahia, somados à resistência da população local é uma constante na narrativa do mestre. Sobre essa verdadeira aula de geografia regional, enviamos nossos mais sinceros agradecimentos.
Destacamos a convivência, não como turistas, mas como aprendizes, nos diálogos realizados a todos momentos, desde as oficinas até as conversas proporcionadas pela vivência nos dias em que permanecemos na Casa. Dificilmente será possível expressar em palavras a oportunidade de contato com territórios de resistência à lógica, e divisão de trabalho, capitalistas, que fazem diariamente o resgate da ancestralidade dos negros em diáspora.
A música ao vivo, a alimentação, e as atividades práticas foram também momentos de grande aprendizado que merecem nosso destaque. Eles trouxeram de uma forma diferenciada, maneiras de compreender a valorização da ancestralidade africana. Os pequenos momentos e o mais simples detalhes como: as danças, a confecção da Abayomi e dos Tambores, o cuidado e carinho dispensados a nós pelos membros da Casa do Boneco, serão momentos de difícil esquecimento. Essa dedicação dispensada à nós, demonstra como que conseguiram persistir tanto tempo em um meio cada vez mais mercantilista e hostil.
Por fim, aprendemos também que a luta das várias comunidades indígenas e do povo preto do sul da Bahia, não é uma luta de ontem, mas sim, um processo cotidiano de resistência. Cada morte, cada injustiça, cada enquadramento motivados pela cor da pele e/ ou condição de classe são presentes em uma sociedades derivada do processo de racialização, uma sociedade doente, onde o processo de desalienação colonial é imprescindível. A Casa do Boneco é um expoente nessa luta diária, pela sua lógica autossustentável, horizontal, pautada no estudo e consciência do passado,tornando-se essencial como um local de de resistência.
“Refletir no passado para projetar o futuro!”
Atenciosamente,
Prof. Dr. Eduardo Donizetti Girotto e turma da disciplina de Regional África (do Sul)
Fotografia: Hugo Alexandre |
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