Mestres Lumumba e Jorge Rasta e o "Mestrinho" Hugo Xoroquê: a felicidade do primeiro Ylú pronto! |
Em 2008 quando cheguei em Campinas para o
Encontro Nacional da Rede Mocambos, a única ideia que eu tinha do
que iria acontecer, era que ia ter tambor, pois era uma informação
que tinha no convite: “leve o seu tambor”. Cheguei na Casa Tainã
e me envolvi em uma África que ainda não tinha tido contato, pois
estava limitado ao meu afro regionalismo baiano, embora eu já
tivesse contatos superficiais com outros segmentos de africanidade no
Brasil.
Uma malandragem do Sul do País com a boemia
preta do Mestre Giba Giba, a maestria de Mestre Chico, a importante
oficina e repasses de saberes do Mestre Batista (para sempre vivo em
meu coração) que me ensinou a fazer os grandes tambores de sopapo,
os quais nunca tinha visto, ilustravam uma história de construção
ancestral afro brasileira desenvolvida no sul do país paralelo à
uma história de construção e luta de igual importância como a daqui da Bahia.
Nesse encontro, conheci o senhor dos 9 anéis
d' Ogum, Mestre Lumumba, que unido às mestras Yalorixás, fechavam o
ciclo de griôs de diversos estados do país e seus aprendizes.
Mestre Tc e sua visão panorâmica de nossa história e instrumentos
de luta, agregou nesse encontro as múltiplas versões das
manifestações e tambores afrodescendentes, desde o samba de bumbo,
até o moçambique, passando ainda pelo maracatu e suas alfaias, as
quais me encantaram ao criar uma visão mais primitiva dos paulistões
do samba reggae da Bahia e por, na sua originalidade, serem
esculpidos como os antigos tambores de terreiros. Tive contato ainda,
com os Tambores de Aço, da família Tainã, que fechava uma vivência
fantástica de musicalidade, me deixando saudosista da banda de
percussão que outrora participei com instrumentos acústicos,
resultado de um laboratório de percussão, Abedé Orum
Voltei pra Bahia enfeitiçado com a
versatilidade, variedade e poder dos tambores...
Nesse mesmo ano, caminhava na mata do Quilombo
D'Oiti, com o grande conhecedor da mata Cumpadi (Cecílio),
ele me mostrou uma árvore secular de aproximadamente 40 metros e com
a circunferência de quase 12 metros, um Louro Óleo, árvore de onde
é proveniente o óleo de copaíba. Esta árvore havia morrido e
tombava sobre outras árvores com suas raízes já levantadas. Assim
que vi aquela paisagem, transferi todo meu anseio pela construção
de tambores, a priori pensei em alfaias, o que conflitava com as ideias
de Cumpadi de fazer uma canoa ou um pilão pra moer dendê, também
pensamos em fazer tudo, por que a árvore era imensa e daria pra ter
várias práticas com sua madeira. Entretanto, em minha mente reinava
principalmente, a ideia dos tambores e a possibilidade de
distribuí-los pelos nossos núcleos de formação, como um "totem" da
Rede Mocambos.
Griots da Mocambos contemplando a grande árvore |
A ideia daquela árvore virar muitos tambores
foi transferida para muitas pessoas que visitavam nosso quilombo, ao
se depararem com aquela imensa árvore no caminho tradicional de
nossa trilha. No Fórum de Turismo Ori Mole, em agosto de 2011, ao visitar
a árvore com Mestre Lumumba, Mãe Beth de Oxum e sua família, recebi do
Mestre uma resposta emocionante e motivadora de que, a partir daquele
momento ele encaminharia energias e esforços para executarmos esse
projeto.
No pé do baobá do quilombo: sonhos sendo plantados! |
Em 2013, como consequência da premiação do
Edital de Interações Estéticas da FUNARTE / MINC, de residência em
Pontos de Cultura, o Mestre Lumumba retorna à Casa do Boneco com as
condições de realização do projeto Omo Ylú – o reencontro dos
filhos dos tambores. Cronologicamente eu, Mestre Lumumba e Hugo
Xoroquê, formamos uma corrente de 3 gerações. Lumumba sexagenário,
eu, quarentão, Hugo aos 18 anos, expressando também o ciclo de
passado – presente – futuro, princípio básico da educação
africana. Hugo se tornou um afilhado, tanto
do Mestre quanto da proposta em si: a ele foi entregue a
responsabilidade maior do aprendizado e execução de algumas etapas
do projeto.
Produção de ferramentas para esculpir os tambores |
Inicialmente foi desenvolvida uma oficina de
construção de ferramentas apropriadas ao trabalho. Foram feitos
inchós, machados curvos pra escavação, formões a partir do
desenvolvimento de técnicas de forjaria e têmpera para o corte das
ferramentas, tendo como resultado o aprendizado da confecção e o
conjunto de ferramentas necessárias para cada aprendiz. Foi removida
a madeira da Fazenda Modelo Quilombo D'Oiti, com o devido cuidado
para não rachar. Foi cortada em pedaços para fazer os instrumentos.
As três primeiras “toras “ da base da árvore foram trabalhadas
na forma de tambores da etnia ijexá, conhecidos como Ylú-ni'lá
(tambor grande), formando um trio de ijexá.
A troca de saberes vivenciada no processo de
identificação da árvore, da confecção das ferramentas, coleta
da madeira, convívio coletivo, do comer, beber e dormir junto,
trouxe no nosso contexto, um fortalecimento da gestação da voz
coletiva, da voz primeira que atingiu todos os povos no princípio
evolutivo do homem: a comunicação.
O mestre, o mestrinho e Cumpadi tratando a madeira (esculpindo o tambor) na mata do Quilombo D'Oiti |
O primeiro Ylú sendo concluído |
O projeto encontra-se a todo vapor,
concentrando nesse momento as vivências no Ponto de Cultura
Associação do Culto Afro Itabunense – ACAI (coordenado pelo
queridíssimo Lula Dantas) e planejando a sua expansão para o
Assentamento Terra Vista, em Arataca e nas Aldeias Pataxó Hãhãhãe
e Tupinambá de Serra do padeiro.
Texto: Jorge Rasta
Contribuições: Mestre Lumumba
Edição: Say Adinkra
Mestrinho Hugo, completou 18 anos, numa bonita caminhada de saberes! |
A Felicidade Guerreira do Mestre Lumumba: no axé sempre! |
O grande tambor Ylu comandando a celebração da ACAI: Jorge Rasta, Lumumba, Hugo e o querido Lula Dantas |
Para medir um pouco do trabalho compare um formão simples que usamos para esculpir um djembê e o formão redimensionado para esculpir um Ylú... verdadeiras ferramentas de Ogum! |
2 comentários:
Tambor, Tambora. Quando o tambor toca o tambor a pulsação ecoa no coração da nossa ancestralidade e ativa os sentidos, e os sentidos nos elevam pro universo da energias mais puras e nos colocam em sintonia com todas as áfricas dentro de nós. todo asé pra nós.
tc
Tambor grande... coração grande...
Batidas de admiração...
Postar um comentário