18/10/2017

XVI CARURU DE IBEJI E AS PEDAGOGINGAS - A ESCOLA DO TAMBOR

''Cozinhar o pensamento é cozir o quiabo e partilhar para o povo'' (Mametu Kafurengá)

O povo preto reunido pela 16º vez em torno do alimento ancestral - o Caruru de Ibeji - se aquilombou na Casa do Boneco entre 28/09 e 01/10 para cozinhar ideias e realizar as Pedagogingas, práticas educativas pautadas no imenso legado de saberes da cosmovisão afrikana. A Escola do Tambor é o projeto  de escola preta proposto como espaço de manutenção desses saberes e fazeres, validando os conhecimentos tradicionais transmitidos pelos mais velhos e os reconhecendo enquanto nossos professores. O jogo de búzios é nosso primeiro computador, o tambor a primeira internet, os fios de contas nossa matemática, a encruzilhada nossa pedagogia. Pensar e construir uma escola que dê conta de nossa existência enquanto povo foi o que nos moveu durante esses 4 dias de encontro, assim como é um compromisso para os outros 361 dias do ano. 

O modelo de educação convencional que está posto representa os saberes dos povos que nos dominaram, dentro de uma perspectiva racista e perversa de colonização em que brancos europeus subjugaram, exploraram, exterminaram de forma genocida indígenas e afrikanos. A escola convencional tem sido um espaço de reprodução desse racismo quando desconsidera a origem de todo conhecimento na Áfrika apresentando apenas referenciais brancos como a Grécia, quando segue uma forma de transmissão totalmente desconexa com a realidade vivida pelos educandos, quando nega a identidade negra e corrobora com a morte simbólica desse povo. Se essa é a escola que temos, qual é a escola que queremos? Que educação queremos? O mundo que queremos construir, cabe numa escola? 

As mesas, os djumbais (roda de conversa), as oficinas, as intervenções artísticas, os GT's, os rituais e toda vivência proporcionada pela arte do encontro foram ingredientes colocados nesse caldeirão, gerando um alimento que nos fortalece o corpo, a mente e o espírito. E nesse sentido, jovens, idosos, crianças, educadores, mestres tradicionais, artistas de rua, poetas, grafiteiros, pixadores, pretos e indígenas numa gira de saberes compartilhados vieram discutir, praticar, afirmar e multiplicar a pedagoginga da Escola do Tambor. 

A abertura das atividades foi na quinta a noite, começando com uma apresentação dos representantes dos grupos participantes. Em seguida na mesa de abertura, com o tema ''Relatos e experiências de escolas temáticas'', Hundira Cunha fala relata o histórico da Escola Agrícola Comunitária Margarida Alves (Ilhéus BA), destacando o protagonismo principalmente  das mulheres camponesas na luta pela educação e pontuando também a importância da autonomia desses espaços, seja financeira, de gestão e de conteúdo. O Taata Luangomina traz uma abordagem sob a perspectiva da pedagogia do terreiro, à partir da experiência na Comunidade de Terreiro Caxuté (Valença-BA), que hoje já agrega seu próprio espaço escolar e um museu de memória afro-indígena, ressaltando a importância da ocupação dos espaços acadêmicos com a nossa própria visão de mundo, nossas linguagens e simbologias. O mestre Jorge Rasta mediou o espaço e não podia deixar de dar suas pedradas, contra a sociedade racista que está posta e que tenta nos matar de todas as formas, trabalhar por uma educação diferenciada para nosso povo é garantir a sobrevivência no território inimigo, eis o convite a todas e todos se apropriarem dessa luta. 

A juventude preta, ativa e consciente, trouxe para o djumbai ‘‘A escola que precisamos para o mundo que desejamos’’ a importância de uma escola que leve em conta princípios comunitários, para além de discutir a escola como um espaço físico, mas refletindo o que deve ser oferecido de conteúdo. É preciso romper com o latifúndio do saber, que enxerga o conhecimento enquanto mercadoria, e construir uma educação diferenciada em todos os aspectos, referenciada nos mais velhos e carregada de nossa identidade. Experiências como a Biblioteca Comunitária Zeferina-Beiru, o grupo Resistência Poética, o Slam das Minas BA, a Escola Caxuté, o Grupo de Ação Interdisciplinar em Agroecologia- GAIA, movimento Hip Hop e Casa do Boneco são exemplos do protagonismo da juventude preta em ações comunitárias, que tem utilizado da arte e cultura para enfrentar o racismo e fortalecer suas comunidades. 
No Djumbai ''Conteúdos pedagógicos afro e indígena para a educação infanto juvenil'' Solange Brito trouxe relatos da experiência do Assentamento Terra Vista (Arataca-BA) com a educação do campo, quando em um processo de ocupação de terra nasce uma escola de lona preta, de conhecimento popular e tradicional, que sob muita luta veio a se tornar o Centro Florestan Fernandes. O professor José Carlos (IF Baiano- Uruçuca) discute a etnomatemática a partir das Jóias de Asé, observando códigos impressos no fio de contas como padrão de cores, tamanhos e formas que dizem respeito ao espaço que aquela pessoa ocupa no terreiro, além das contas para trabalhar multiplicação, soma e divisão a partir da identidade dos educandos pretos e de terreiro. Mametu Kafurengá (Valença-BA) ressalta a importância de validarmos o conhecimento de nossos verdadeiros professores, os educadores presentes em nossos espaços religiosos, traz a experiência do Terreiro Caxuté como ponto de partida para repensarmos práticas pedagógicas. O Taata Marinho Rodrigues fala sobre a sua universidade, o Terreiro Matamba Tombenci Neto (Ilhéus), onde aprendeu com os seus doutores e doutoras mais velhos, como a sua mãe Mametu Ilza Mukalê que recentemente recebeu o título de doutora honoris causa, ressaltando que quem ganha com isso é a universidade, pois mesmo com todo legado de conhecimento resguardado pela matriarca, não será dado a ela espaço pra dar aula numa universidade. A professora Flávia Alessandra (UESC) fala de sua caminhada referenciada em suas avós, bisavós, nas escolas de samba e nos movimentos de resistência cultural negra. 

As oficinas movimentaram as atividades das Pedagogingas, teve muita dança, cores, sons, criatividade e trabalho manual. Gisele Soares, Deusa do Ébano 2017 colocou todo mundo pra liberar o rei e a rainha que existe dentro de si através da Dança Afro, trazendo nos movimentos de dança a força, a leveza e a beleza de sermos pretos e pretas. Seguindo nessa pegada, ninguém ficou parado na oficina de Coupé Decalé com Kety Kim, envolvidos nos ritmos contagiantes de Áfrika. A criançada e as crianças grandes também curtiram a oficina de Confecção de Bonecos com Juscely Magalhães, uma prática de artes plásticas a partir de materiais recicláveis. Hugo Xoroquê compartilhou seus conhecimentos sobre a construção de instrumentos com a confecção de miniaturas de tambores sonorizados, que além de tocados podem ser usados como chaveiro e peça decorativa. A Casa do Boneco ficou ainda mais linda e colorida com a oficina de Grafitti realizada pelo coletivo Nova 10ordem, além das lindas intervenções que os artistas Júlio, Bigode, Questão, Dokls e Prisk deixaram em todos os espaços da instituição. Além das oficinas, a Rádio Indaka Obá 88.5 FM é reativada durante o evento, e voltou pra ficar, transmitindo programação musical pra toda a cidade, entrevistas com os participantes, bate papos e poesias.
















































A Noite Cultural do sábado foi embalada com muita música, dança e poesia. Quem abriu os trabalhos foi o grupo Afro Ragga apresentando uma performance de dança, em seguida o DJ Ivan e o MC Bruno Suspeito deram início às apresentações musicais com o RAP do grupo A Rua Se Conhece. Na sequência, os e as MC’s pratas da casa Negus Jorge, Lori Mafoany, Hugo Xoroquê, Bruno Congo com participação de Stella Lagos, Lucas Sarará e Mr Lagos largaram suas pedradas com muito RAP carregado de melanina, o grupo Fúria Consciente mais uma vez abrilhantou a noite cultural também com muito RAP. A poesia ficou por conta dos grupos Resistência Poética e Slam das Minas, trazendo a literatura marginal como forma de denúncia e combate ao racismo e à opressão de gênero. Também marcou presença a artista local DJ Negona, e para fechar com chave de ouro a apresentação de Alfredo Neto colocou todo mundo pra cantar e dançar.





































































A madrugada, como acontece todos os anos, foi de muito trabalho na cozinha já com os preparativos do caruru, uma galera não dormiu cortando quiabo, picando tempeiro, mexendo panela, para deixar tudo saboroso no banquete dos Ibeji e de toda comunidade. Às 5h da manhã, tradicionalmente, a equipe dos quifungueiros já estava ao pé do fogo de lenha preparando as iguarias: feijão fradinho, feijão preto, arroz, caruru, vatapá, xinxin de galinha, milho branco, farofa de camarão, banana frita, acarajé, pipoca, além de balas, rapadura, cana, tudo oferecido no mais rico banquete afro religioso preparado para servir 500 pessoas. Mais uma vez celebramos as nossas divindades africanas com som dos tambores, com festa e alegria, com uma mesa farta de um alimento sagrado e que quando compartilhado nos torna ainda mais fortes. Mais uma vez agradecemos pela vida, pela fertilidade, por nossas crianças, por estarmos vivos e juntos mais uma vez, para que nunca deixemos de estar!































Para que tudo isso fosse possível um monte de gente se mobilizou e trabalhou duro, começando desde a realização dos Canjerês Culturais (Itacaré, Cachoeira, Salvador e Amargosa). A equipe Casa do Boneco desde meses atrás já cuidava e se empenhava para garantir a realização do evento, desde a captação de recursos, infra-estrutura, administrativo, e comunicação, contando com o apoio dos grupos e parceiros em todo processo, os quais gostaríamos de agradecer:

Família Carvalho
Comunidade Rural Auxiliadora
Comunidade Rural Dilma Hooseff
Comunidade Rural ASAJUS
Assentamento Terra Vista
Acampamento Estrela D'alva
ECOBAHIA - Instituto Baiano de Desenvolvimento Ambiental e Sócio Produtivo
Teia dos Povos
Coletivo Nova 10ordem
SINDAE - Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia
SINASEF - Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica
NEABI / IF Baiano - Campus Uruçuca
GAIA - Grupo de Ações Interdisciplinares em Agroecologia
Curso de Licenciatura em Educação do Campo - UFRB Amargosa
Secretaria Municipal de Juventude, Esporte e Cultura de Itacaré
Secretaria Municipal de Educação de Itacaré
Comissão Organizadora do Encontro Nacional de Agroecologia - ENGA
Bananas Hostel
Pousada Itacaré
Pousada Cristal
Pousada Casa Jorge Amado
Pousada Billabong
Vereador Silvio Humberto
MS Locadora
Biblioteca Comunitária Zeferina-Beirú
Cine do Povo
Baile Pelo Certo
PROS
Comunidade Caxuté
Fúria Consciente
Resistência Poética
Slam das Minas/BA
A Rua Se Conhece
Afro Ragga
Jomária Soledade
Gisele Soares - Deusa do Ilê 2017 
Hundira Cunha - Escola Agrícola Comunitária Margarida Alves
Vivian Oyaci
Kety Kim
Professora Flávia Alessandra
Tata Marinho Rodrigues
Professor José Carlos Dias
Hegair Neves
MR Lagos
Alfredo Neto
Maristela

EQUIPE DE REGISTRO COLABORATIVO:
Nátali Yamas
Fagundes Fotografia
Suama Akoni
Loli Carol Mota

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Parte 1:
Parte 2: 



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