19/10/2015

Ancestralizando nossa forma de aprender: XIV Caruru de Ibeji e as Pedagogingas!


Pelo 14º ano, emanados da força ancestral africana que rege o povo preto em diáspora, aquilombados na Casa do Boneco entre 30 de setembro e 04 de outubro, o Caruru de Ibeji e as Pedagogingas reuniu em Itacaré um precioso elenco de educadores, artistas, militantes, estudantes, famílias mobilizadas em torno de uma perspectiva educativa antirracista para as nossas crianças. Na atual conjuntura política do Brasil onde genocídio é o b-a-bá do Estado para o povo negro, a urgência de nossas vidas se converte em militância por uma educação onde a cultura negra seja elemento estruturador. Hoje as Pedagogingas vêm dizer: É NÓS POR NÓS!

 

Nessa trajetória que vai, passo à passo, construindo a caminhada de luta de uma instituição e de um povo, essa ação coletiva que chamamos Pedagogingas oportuniza pela arte do encontro uma grande diversidade de possibilidades de aprendizados e trocas de saberes permeados nas linguagens e formatos abordados, seja uma oficina, uma roda de conversa, um samba na laje, uma sessão de cinema, um ritual, uma conversa com um mais velho, o zelo com um mais novo... A África no centro! E é nesse ritmo que, agregando os saberes entre as gerações, a arte do encontro fertiliza a união de um povo que por muito tempo vem sendo segmentado, fragilizado, apartado, vítimas do epistemicídio que é não se reconhecer no próprio irmão, não ter direito à própria identidade, de conhecer a própria história. Frutos de resistência negra, esses irmãos se aquilombam no Ilê D’Erê para gingar uma pedagogia que dê conta de nossa existência.

O evento é aberto com a bênção dos ancestrais, entoando toques e cantos para os orixás. Uma roda de conversa com o Mestre Jorge Rasta e Sayô Adinkra sobre Agroecologia suscita o diálogo com estudantes acerca da cosmovisão afro-indígena em relação ao meio ambiente, a forma de lidar e se relacionar com a natureza indissociada da cultura. As oficinas realizadas à partir de então são direcionadas para diversas faixas etárias e aptidões, seja artística, técnica, linguística, etc.

Yogi Nkrumah juntamente com Bruno Suspeito e Gean Silva trouxeram pra molecada a poesia e musicalidade do RAP para dialogar sobre a realidade do povo negro, a condição dos jovens da periferia, utilizando das letras para protestar e dar visibilidade às pautas. Os elementos do Hip Hop são sempre presentes nas Pedagogingas, além da oficina de RAP também tivemos uma entusiasmante oficina de Breakdance ministrada por Nessyta e Tayrine Lopes do Grupo ELO, passando movimentos básicos e montagem de coreografia. Chermie Grafiteira trouxe na Oficina de Grafitti a vivência prática dessa arte, estimulando criatividade e participação coletiva das crianças para a manutenção da cultura afro-brasileira através dos desenhos.







O Taata Kibanda Muanzakiazenji em um passeio pela linguística dos povos Bantu traz na Oficina de Iniciação da Língua Kibundo o contato com o vocabulário africano pertencente a esses povos, através do aprendizado de expressões e palavras utilizadas no cotidiano. Mariana Bittencour utilizando técnicas de teatro de Augusto Boal, aborda na Oficina de Teatro as situações de opressão sofridas cotidianamente devido as relações de poder existentes na sociedade, como o racismo e opressões de gênero. Já na Oficina de Canto ela expõe noções básicas de respiração, alongamento, aquecimento e relaxamento vocal, bem como de extensão vocal através do cancioneiro afro-brasileiro.







Negreiros Souza traz na Oficina de Turbantes a sua abordagem histórico-racial sobre a estética negra, coroando @s participantes com modelos e amarrações dessa peça tão singular da indumentária afro, utilizada em diversas reli

giões, por mulheres e homens. Já na Oficina de Abayomi, ministrada por Adriana Kanaombo os participantes aprenderam a confeccionar esta boneca africana feita com amarrações de retalhos, objeto criado pelas mães negras para acalentar as crianças no contexto escravagista, um presente precioso como no significado do nome em Iorubá. A ludicidade e arte circense também se faz presente na Oficina de Perna de Pau, ministrada pelo professor Márcio Bob, convidando os participantes a ver o mundo de outro ângulo em cima da perna-de-pau.



Os bonecos não poderiam ficar de fora, não só pelo tema do evento ser ‘‘Bonecos e Ancestralidade’’, mas por esse elemento ser compreendido com uma poderosa ferramenta educativa para diversos públicos, um brinquedo de educação ancestral. A Oficina de Bonecos Gigantes e Fantoches foi ministrada pelos bonequeiros Misso dos Santos e Juscely Magalhães, tanto demostrando técnicas de confecção dos bonecos como sua manipulação. A ancestralidade marcante nos saberes e fazeres afro-brasileiros também marca presença na oficina de Confecção de Tambores, ministrada por Hugo Xoroquê e Gominho Neves (CBI, Tambores Oraniã), onde as crianças puderam entender como se confecciona e musicaliza um tambor utilizando matéria-prima bioartesanal e de reaproveitamento.




A produção radiofônica também se faz presente na Oficina de Áudio, ministrada por Ronaldo Eli do coletivo Amnésia, onde os participantes tiveram contato na prática com a produção de seis programas de rádio à partir de falas e entrevistas colhidas durante o evento e vivenciando uma forma livre e comunitária de comunicação contribuindo com a programação da Rádio Indaka Obá.






Durante toda a programação esteve aberta a exposição fotográfica ‘‘Um paraíso chamado Tapuia’’ realizado pela professora Rita Pinheiro, com 20 fotografias tiradas na comunidade quilombola de Tapuia, no baixo Sul da Bahia. As sessões do Cine Quilombola também trouxeram para as noites do evento uma programação infanto-juvenil e adulto com filmes como ‘‘Áfricas’’, ‘‘O filme de Carlinhos’’, ‘‘Menino da Gamboa’’ e um destaque especial para o lançamento do filme ‘‘Umbigo’’ dirigido pelo cineasta Cauê Rocha sobre a trajetória de sua mãe, a parteira Val, ambos presentes em um empolgante bate-papo pós exibição, além de produções da Casa do Boneco como o vídeo-documentário ‘‘Ajeum Ajeumbó’’ sobre o intercâmbio com a Guiné Bissau. O pesquisador e colaborador da CBI José Carlos Dias apresentou parte de sua dissertação de mestrado intitulada ‘‘Joias do Asé: uma perspectiva da etnomatemática’’, que traz um estudo sobre a tecnologia ancestral utilizada na confecção das Joias produzidas na Casa do Boneco pela artesã Preta Ashanti.


As escolas de Itacaré e cidades circunvizinhas participaram ativamente das oficinas propostas na programação. O Centro Educacional de Itacaré esteve presente com as turmas do 8º ano, a Escola Municipal Dr. Manoel Castro com as turmas do 4º e 5º anos, e a escola João Gomes de Sá com estudantes do 6º e 9º ano. A parceria e colaboração entre a Casa do Boneco e as escolas tem acontecido por meio do diálogo entre instituição e gestores escolares à partir da mediação da Secretaria de Educação do Itacaré na pessoa da professora Ronara Criola, responsável pela pasta de projetos e colaboradora da CBI. Já estão sendo programadas atividades da Casa do Boneco nas escolas, dando continuidade às práticas realizadas nas Pedagogingas e dando suporte ao ensino de cultura afro-brasileira. Também participaram a Escola Municipal de Sambaituba (Ilhéus-BA) com a turma do 6º ano em coordenação do professor Telynisson Pereira, e a turma do 1º ano do Curso Integrado de Guia de Turismo do IF Baiano (Campus Uruçuca) em aula de campo coordenada pela professora Taísa.



As noites culturais abrilhantaram o evento com diversas intervenções artísticas. O grupo Resistência Poética através dos textos de protesto e conscientização de suas poesias colocou na pauta em verso as demandas do povo negro. Na mesma pegada afrocentrada e combativa os grupos de rap Fúria Consciente e A Rua se Conhece colocaram a galera pra vibrar com as músicas de enfretamento ao racismo, as meninas do Grupo ELO também mandaram suas ideias através da rima. A participação do MC Negus Jorge que é prata da Casa também se fez presente juntamente com Bruno Congo, além dos MC’s locais Felipe e Stela Lagos. O grupo de teatro Filhos dos Encantados trouxe a belíssima apresentação Sem Preconceito interpretada por jovens do movimento negro de Pau Brasil. O desfecho do evento foi mais que especial com a apresentação da banda O Kontra trazendo o melhor da musicalidade e dança afro-contemporâneas na interpretação de Nei Sacramento e Vera Passos.








Em se tratando de um evento-encontro-celebração de matriz africana, a espiritualidade está sempre vinculada em todas as esferas dessa construção, através das práticas candomblecistas de energização do ambiente e das pessoas. O Taata Kibanda Muanzakiazenji, zelador do Un’zo Muanza Kala Mugunzu Maza (Casa das Águas- Feira de Santana) esteve à frente dos rituais e direcionamentos religiosos do evento, evocando proteção, tranquilidade e caminho para todos através das práticas da Nação Angola N’Paketans. O Caruru de Ibeji foi celebrado na tarde do domingo, 04 de outubro, aniversário de 27 anos da Casa do Boneco, após uma madrugada de preparo coletivo dos pratos que agradam aos orixás e ao paladar de quem dele se alimenta. O cortejo afro com baianas, flores, água de cheiro, bonecos gigantes, música e alegria festejou a vida e continuidade que as crianças oferecem, saudando Ibeji, Erê, Wungi, grandes responsáveis pela energia mantenedora da Casa do Boneco. Estiveram presentes nessa celebração a grande matriarca Mãe Ilza Mukalê (Terreiro Matamba Tombenci Neto) juntamente com o Tata Luandankossi, a Makota Lemburenganga, e o Mestre Virgílio da Associação de Capoeira Angola Mucumbo.








Toda essa construção vem sendo realizada à base de muito trabalho e dedicação da equipe CBI, atuando nas mais diversas frentes para garantir o acontecimento do encontro, enfrentando desafios e contando sempre com o apoio dos parceiros de luta. A ‘‘Firma Bagaço Grosso’’, equipe de infraestrutura deu show de construção e manutenção do espaços da Casa antes e durante o evento, também a equipe de alimentação que deu conta de todas as refeições dos participantes, o GT de Comunicação que garantiu a cobertura e divulgação do evento, a comissão administrativa e de contatos institucionais e a político-pedagógica, contando com a colaboração dos participantes nesses
GT’s.



Agradecemos às escolas participantes, professor@s e gestor@s, à Teia de Agroecologia dos Povos, Aldeia Tupinambá da Serra do Padeiro, Aldeia Baixa Alegre, Assentamento Terra Vista, ECOBahia, GAIA, IF Baiano- Campus Uruçuca, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Projeto Feira da Diversidade, Ronara Criola, Aline Mimoso, Euza Pedreira, Marcos Figura, Val Laranjeira, vereador Nego,  e à tod@s que apoiaram direta e indiretamente essa ação.

Somos tod@s mestres e aprendizes uns d@s outr@s à medida que nos permitimos e possibilitamos as trocas de saberes na essência africana de se viver. Batendo de frente com as estatísticas, desmascarando a mídia mentirosa, desconstruindo estereótipos, reconstruindo nossa identidade, firmando o compromisso pan-africanista de ser/estar no mundo, somente a nossa união e foco trarão resposta às nossas dores e a converterá em luta pela libertação do povo negro ao redor do mundo. Não mais assistiremos em silêncio o racismo nos genocidar. Pedagoginga é educação, cultura, ancestralidade, libertação. Caruru é celebração, comunhão, alimento, espiritualidade. XIV Caruru de Ibeji e as Pedagogingas é pan-africanismo!

Jackson Carvalho: presente!