27/11/2013

Lagoa Santa: um pólo de cultura popular e audiovisual comunitário


A comunidade de Lagoa Santa, em Ituberá (BA), recebeu e acolheu afetuosamente o projeto Quilombo In Cena e sua caravana, entre os dias 29 de outubro e 3 de novembro, na sede da associação da comunidade. 



A movimentação foi grande. Entre as organizações e comunidades participantes, estavam: uma comunidade quilombola de Itacaré (Serra de Água), três comunidades quilombolas de Ituberá (Ingazeira, Campo do Amanso e Lagoa Santa), todas as três comunidades que compõe o território de Lagoa Santa (Matinha, Riachão e São João) e diferentes coletivos como Nordeste Livre, Casa do Boneco de Itacaré, Teia de Agroecologia dos povos da Cabruca e da Mata Atlântica, Rede Mocambos (Bahia, Pará e Pernambuco), Coletivo Alumiar/ Projeto Pirilampo, Brigada de Audiovisual dos Povos e cineclubes baianos.

O encontro entre a comunidade e essas lideranças e coletivos tinha como objetivo realizar duas ações. A Mostra Audiovisual Quilombo In Cena ocorria todas as noites, apresentando filmes do cinema negro nacional. Ao todo, foram quatro curta-metragens, e 3 longa-metragens. Entre eles, “Terra deu, Terra come” e “Quilombos da Bahia”, filmados em comunidades quilombolas. A exibição desse último, realizado há dez anos, contou com a presença do diretor, Antônio Olavo, que debateu o filme e falou sobre a experiência de produzi-lo.



As sessões estavam sempre lotadas, com espectadores que vinham das mais diversas formas, movimentando as estradas do quilombo para ter acesso ao cinema. A partir dessa experiência, Gilmara Conceição avaliou que “o cinema é uma nova forma de reunir a comunidade. O quilombola passa a ter uma referência de outro tipo de evento, e isso é muito importante. A gente nunca teve isso aqui com essa qualidade.”

Cada sessão teve um público médio de cerca de 200 pessoas. A mostra foi encerrada com as apresentações do terno de reis e do samba da comunidade da Matinha, além do samba de roda da comunidade da Ingazeira. Nessa noite, também ocorreu uma homenagem a Luiz Marcos, criança que compôs o material gráfico do projeto.



Paralelo à mostra audiovisual, ocorreu o Fórum Baiano de Cinema Comunitário, que com três debates relacionados à comunicação, à produção audiovisual, ao movimento cineclubista e à cultura popular. Foram convidados para conversar: Mãe Beth de Oxum(Coco de Umbigada e Rede Mocambos-PE), os cineastas Antônio Olavo (BA), Adyr Assunção (MG) e Pedro Rajão (RJ), o jornalista Ronaldo Eli (Coco de Umbigada e Rede Mocambos-PE), os cineclubistas Gleciara Ramos e Jorge Conceição (BA) e as lideranças populares Joelson Santos (MST-BA), a produtora cultural Tininha Llanos (Minc-BA), Jorge Rasta (Casa do Boneco de Itacaré e Rede Mocambos-BA) e Don Perna (Casa Preta e Rede Mocambos-PA).

João Rafael faz parte do cineclube Viola de Bolso, em Eunápolis (BA). Após participar dos debates, ele disse: “foi importante estar junto com os produtores e trocar com muitas pessoas de diferentes grupos. Percebo o cineclubismo com grande potencial de mobilização e espaço político. O central desse evento foi refletir sobre quem conta nossa história e como ela é contada.”




Como resultado dos debates, foi formulado um plano de ação para a continuidade e o aprofundamento das ações em Lagoa Santa, visando ao seu fortalecimento enquanto pólo de cinema comunitário e manifestações culturais populares. Entre as propostas, está a construção de um filme a partir dos processos de formação em audiovisual a serem realizados na comunidade, a implementação d euma rádio livre e a realização de um festival cultural na comunidade. Jorge Rasta destacou como positiva a participação local nos debates. “O fórum contou com a presença da comunidade na discussão sobre as fragilidades existentes na manutenção de suas manifestações culturais tradicionais, como as dificuldades para acessar os recursos distribuídos através de editais e para atrair os mais jovens”, relata Jorge.




Além do plano, foi elaborada uma carta, que dialoga com as questões colocadas pelos coletivos presentes, abordando uma visão mais ampla e politizada sobre os debates, e firmando posições sobre questões relativas aos setores audiovisual, da cultura popular e da cultura negra (http://casadoboneco.blogspot.com.br/2013/11/manifestoquilombo-lagoa-santa-entreos.html). Ainda no último dia, foram realizadas oficinas, como a de montagem do cineclube, estética afro, dança afro e elaboração de projetos.


 

O Quilombo In Cena 2013 foi uma continuidade do projeto Cine Quilombola, e aponta para novos desdobramentos, como o maior envolvimento dos movimentos cineclubista e de comunicação livre com as comunidades negras tradicionais. O encantamento da comunidade ao se ver no cartaz e na tela, foi evidente e emocionante, e mostra a importância de viabilizar o acesso às obras do cinema negro e aos meios para sua produção. “O cinema com esse conteúdo negro retrata o dia a dia da população negra. Eles acham graça, se emocionam, percebem e dão importância a coisas que antes não davam, mas que o cinema traz num patamar de valor, de beleza, de importância.” diz Andreza Bonfim, produtora do projeto Pirilampo, de Ilhéus (BA).

05/11/2013

Manifesto Quilombo Lagoa Santa



Entre os dias 29 de outubro e 03 de novembro de 2013, reunimos no Quilombo Lagoa Santa, município de Ituberá, durante A Mostra Quilombo Incena e Fórum Baiano de Cinema Comunitário, o movimento cineclubista baiano, 3 núcleos do norte nordeste da Rede Mocambos (Estados Bahia, Pernambuco e Pará), Coletivo Nordeste Livre, Alumiar, Brigada de Áudio Visual dos Povos, Teia de Agroecologia e comunidades quilombolas baianas. Neste quilombo, ao vivenciar a cultura e a espiritualidade negra junto à linguagem estética do cinema numa perspectiva comunitária, queremos manifestar nosso protesto ao latifúndio do ar configurado pelo exercício da perversidade, pelo monopólio da verdade e dos recursos, geradores de invisibilidade e esquecimento.

Não queremos o crescimento pelo desenvolvimento e sim o crescimento pelo envolvimento, já que o primeiro gera um desenvolvimento cultural de baixo conteúdo, sem potencia criativa e condições de sustentabilidade, e o segundo promove o envolvimento profundo com a bioenergia, a ancestralidade e o poder de nossa cultura promovedora de educação, humanização e dignidade.

Nosso modo de vida negro, não separa militância de festa, por que na cosmovisão africana esses e outros elementos são uma coisa só, mas o nosso sistema de comunicação não toca nossa música, não exibe nossa história nos filmes, não gera referencia positiva para nossas crianças e jovens, pelo contrário, através do audiovisual e do rádio dominantes, reproduz o latifúndio e valores racistas, não reconhecendo a cultura como riqueza , inferiorizando-a como um não saber para eliminá-la. Os meios de comunicação convencionais promovem um desserviço às nossas festas, nossos brinquedos, aos mestres e mestras populares, nossa matriz africana.

As tecnologias da comunicação e a linguagem do audiovisual devem ser popularizadas nas nossas comunidades para estar a serviço da atualização dos brinquedos culturais e seus saberes ancestrais colaborando com o avanço das pedagogias que influenciam na mudança da educação formal e informal.

Só o povo pode resolver o problema do povo. As experiencias de comunicação comunitária de audiovisual e rádio são os nossos melhores caminhos para combater a dominação perversa de nossos meios de comunicação e iremos nos fortalecer por esse meio, seja tomando de assalto os nossos direitos e as rédeas de nossa comunicação, seja enfrentando a polícia que criminaliza nossa vida, nosso tambor, nossa comunicação.

Atacamos assim, esse latifúndio em defesa da reforma do ar, para defender a popularização do acesso bens e serviços culturais,  recursos financeiros, assistência técnica, condições de itinerância para que nossas experiencias de comunicação comunitária sejam fortalecidas e replicadas prioritariamente em periferias, quilombos, terreiros, aldeias  e outras comunidades tradicionais diversas

Nossos filmes brasileiros precisam superar os “abortos de comunicação” frequentes em nossa cultura quando um filme é financiado com recurso público e não chega a ser visto pelo povo, numa lógica que não pode mais ser limitada ao mercado, mas ao potencial educativo, criativo e artístico que pode promover mudanças dos valores sociais. Não acreditamos no cinema comercial  que está posto para distribuir o cinema brasileiro, os filmes brasileiros precisam ter outra lógica e dialogar com o seu povo.

Mais do que isso queremos fazer nossos filmes numa perspectiva comunitária, formando editores nas comunidades, preservando nossa memória negra, um cinema do povo para o povo.
Defendemos que a Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura, bem como seu Conselho Consultivo, As Secretarias estaduais de Cultura e Comunicação, Institutos de Rádio Difusão,  Colegiados e Setoriais de Audiovisual, superem o papel tão ínfimo no atendimento da comunicação comunitária, cumprindo seu dever diante das demandas das comunidades.

Nós comunidades negras, quilombolas, indígenas, assentados, cineclubistas, povos de terreiros, ativistas culturais e sociais aqui reunidas, romperemos com a perspectiva de público passivo, para nos tornamos sujeitos de direitos ativos na descolonização do olhar para a leitura das imagens de mundo.

Quilombo Lagoa Santa, 03 de novembro de 2013